Por que as dores físicas são mais toleráveis do que as emocionais?
SAÚDE MENTAL
Paula Scorsato
5/6/20255 min read


Imagine um tropeço, uma queda no chão, o joelho ralado e o sangue escorrendo. Dói. Você faz uma careta, talvez solte um palavrão e segue para limpar o ferimento. Em poucos dias, a pele cicatriza e a lembrança da dor física vai embora.
Agora, pense em uma traição, uma perda, uma palavra cruel dita por alguém amado. Isso também dói, mas de um jeito diferente. Uma dor que ninguém vê, que não sangra, mas que pode durar semanas, meses ou até anos. Algumas vezes, ela nunca vai embora completamente.
Essa experiência é comum. Muitas pessoas relatam que prefeririam sentir uma dor física a reviver certas dores emocionais. Mas por que isso acontece? O que torna o sofrimento da alma mais difícil de suportar do que o do corpo? A resposta está em um fascinante cruzamento entre a neurociência, a psicologia e a própria natureza humana.
Neste artigo, vamos explorar por que as dores emocionais parecem mais intensas, persistentes e difíceis de lidar do que as dores físicas. Vamos entender como o cérebro interpreta esses dois tipos de dor, quais mecanismos usamos para enfrentá-las e por que, muitas vezes, é mais fácil tomar um analgésico do que curar um coração partido.
1. A dor física tem um fim, a dor emocional nem sempre
A dor física é, de certa forma, previsível. Quando você quebra um braço, por exemplo, há protocolos bem definidos: imobilização, repouso, medicação, fisioterapia e um tempo médio de recuperação. A dor segue uma lógica biológica e geralmente melhora com o tempo.
Já a dor emocional opera em um território mais nebuloso. Não existe um exame que revele um coração partido, nem receita médica que garanta a cura em poucos dias. O luto, a rejeição, a vergonha, a solidão. Todos esses sentimentos envolvem camadas profundas da mente, relacionadas à memória, autoestima e identidade.
Além disso, o corpo tende a se regenerar de maneira natural, enquanto a mente humana pode reviver experiências dolorosas repetidamente. Um momento de humilhação ocorrido há anos pode voltar com força total em uma lembrança repentina. A cicatrização emocional depende de inúmeros fatores, como o suporte social, o ambiente, a personalidade e o momento de vida.
2. O cérebro sente ambas as dores, mas lida com elas de forma diferente
É surpreendente saber que o cérebro processa dores físicas e emocionais em regiões semelhantes. Estudos com ressonância magnética funcional mostram que a dor da rejeição social ativa áreas cerebrais envolvidas na dor física, como o córtex cingulado anterior e a ínsula.
Contudo, há uma diferença essencial: a dor emocional é muito mais propensa à ruminação. Isso significa que, enquanto a dor física tende a ser concreta e momentânea, a dor emocional pode ser revivida mentalmente muitas vezes. O cérebro humano, com sua incrível capacidade de memória, consegue “reabrir” feridas emocionais sem que haja um novo acontecimento externo.
A dor emocional, além disso, costuma vir acompanhada de interpretações negativas. Não é só o ato da rejeição que machuca, mas tudo o que ele representa. Pensamentos como “não sou bom o suficiente” ou “não sou amado” transformam o sofrimento em algo mais profundo e duradouro. A dor física raramente provoca esse tipo de narrativa interna.
3. Medicamos a dor física, mas ignoramos a emocional
A medicina avançou de forma impressionante no tratamento da dor física. Existem analgésicos, anti-inflamatórios, técnicas cirúrgicas e anestésicos que conseguem aliviar praticamente qualquer dor corporal. Uma dor de dente pode ser resolvida com um procedimento odontológico. Uma cirurgia é feita com controle rigoroso da dor antes, durante e depois.
Por outro lado, a dor emocional, durante muito tempo, foi considerada fraqueza ou drama. Felizmente, essa visão tem mudado com o crescimento da psicologia, da psiquiatria e das terapias. Ainda assim, muitas pessoas continuam enfrentando seus sofrimentos emocionais sozinhas, por medo de julgamento ou por não saberem a quem recorrer.
Esse abandono emocional contribui para que o sofrimento se prolongue, muitas vezes levando ao desenvolvimento de transtornos como depressão e ansiedade, que afetam profundamente a qualidade de vida.
4. A dor emocional afeta a identidade
Uma queimadura na pele pode doer bastante, mas dificilmente muda quem você é. Já a dor emocional tem o poder de transformar a forma como uma pessoa se vê e se relaciona com o mundo. Um coração partido pode minar a confiança. Uma infância marcada por rejeição pode gerar inseguranças que atravessam toda a vida adulta.
Em outras palavras, a dor emocional atinge o núcleo da identidade. Ela abala a autoestima, a segurança e até mesmo a esperança. Por isso, além de ser mais difícil de suportar, a dor emocional exige um tipo de cura mais profundo. É necessário autoconhecimento, acolhimento e ressignificação.
5. O estigma da dor emocional aumenta o sofrimento
Falar sobre dor física é socialmente aceito. Ninguém julga quem diz estar com dores nas costas ou enxaqueca. Mas quando alguém diz que está triste, ansioso ou com o coração partido, ainda existe o risco de ser visto como fraco, dramático ou instável. Esse estigma social gera isolamento e vergonha, agravando o sofrimento.
O apoio emocional, essencial para a superação, nem sempre está disponível. Familiares e amigos podem não saber o que dizer, podem minimizar a dor com frases como “isso vai passar” ou até se afastar por não saber lidar. Isso aprofunda a sensação de abandono e solidão.
6. Memórias emocionais são mais vívidas e duradouras
As emoções intensas tendem a gerar memórias mais fortes. Isso tem um valor evolutivo, pois lembrar de situações perigosas nos ajuda a evitá-las no futuro. No entanto, significa também que eventos emocionalmente dolorosos ficam registrados de forma mais marcante no cérebro.
Enquanto a dor de um corte se apaga com o tempo, a lembrança de uma rejeição, de uma traição ou de um momento de humilhação pode ser reativada por cheiros, músicas, lugares ou palavras. Esse fenômeno reforça o ciclo de dor e torna difícil “deixar para trás”.
7. A dor física desperta empatia imediata, a emocional nem sempre
Ver alguém com o braço engessado desperta compaixão instantânea. Reconhecemos que aquela pessoa está sofrendo. Já a dor emocional é invisível. Não há sinais claros de que alguém está em sofrimento mental. Isso dificulta o suporte, e muitas vezes leva a interpretações erradas.
Pior ainda, a própria pessoa que sofre pode duvidar da legitimidade de sua dor. Isso ocorre porque, sem validação externa, torna-se fácil pensar que “é exagero” ou “não é tão grave assim”. Esse tipo de pensamento apenas intensifica o sofrimento e torna a recuperação ainda mais difícil.
Conclusão: cuidar da mente como cuidamos do corpo
A dor é uma linguagem do corpo e da mente para nos alertar de que algo está errado. A dor física, em geral, é concreta e finita. Já a dor emocional é difusa, complexa e pode persistir indefinidamente, se não for acolhida.
O fato de a dor emocional ser mais difícil de suportar não nos torna frágeis. Nos torna humanos. E como seres humanos, precisamos reconhecer que a saúde mental é tão importante quanto a saúde física. Precisamos aprender a validar nossas emoções, a buscar ajuda quando necessário e a cultivar empatia com o sofrimento alheio.
Na próxima vez que alguém disser que está com dor no coração, lembre-se de que essa dor pode ser mais profunda do que qualquer ferida visível. Ela merece respeito, cuidado e acolhimento.


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