Gastrite: Como a Experiência Somática (SE) Pode Ajudar

EXPERIÊNCIA SOMÁTICA SE

Paula S'corsato

4/9/20255 min read

Imagine uma panela de pressão. Silenciosa por fora, mas borbulhante por dentro. A tampa segura firme o vapor até que, inevitavelmente, a pressão precise de uma válvula de escape. Agora troque a panela por você. O vapor? Suas emoções não expressadas. E a válvula? Muitas vezes, é o próprio corpo tentando dar um recado. Um dos recados mais comuns — e dolorosos — vem na forma de gastrite.

Apesar de frequentemente associada à alimentação, infecções ou uso prolongado de medicamentos, a gastrite também pode ser a expressão física de uma digestão emocional mal resolvida.

A boa notícia é que há formas de ajudar o corpo a se comunicar melhor com a mente. Uma delas é a Experiência Somática (Somatic Experiencing, ou SE), abordagem terapêutica que conecta corpo e emoções para promover cura em um nível profundo.

Neste artigo, vamos explorar como engolir emoções pode literalmente mexer com o seu estômago e como a SE pode ajudar a tratar não apenas os sintomas, mas as raízes emocionais da gastrite.

Gastrite: o que é e o que causa?

A gastrite é uma inflamação da mucosa do estômago. Pode ser aguda (súbita e intensa) ou crônica (lenta e persistente). Entre as causas mais conhecidas estão:

  • Infecção por Helicobacter pylori

  • Uso excessivo de anti-inflamatórios e álcool

  • Alimentação inadequada

  • Estresse físico ou emocional prolongado

Embora as causas físicas estejam bem documentadas, cada vez mais profissionais da saúde integrativa reconhecem a influência das emoções reprimidas como fatores desencadeantes ou agravantes da gastrite.

Emoções que o estômago sente

Na linguagem popular, frases como “engolir sapos”, “estômago embrulhado” ou “algo que me dá enjoo só de pensar” revelam algo que a ciência começa a confirmar: o estômago é altamente sensível ao estado emocional. Isso ocorre por conta do sistema nervoso entérico, uma complexa rede de neurônios no trato gastrointestinal que se comunica com o cérebro em tempo real — a chamada “conexão intestino-cérebro”.

Quando passamos por estresse ou repressamos emoções intensas (raiva, medo, tristeza), o corpo ativa o sistema nervoso simpático — o mesmo responsável pela resposta de luta ou fuga. Isso afeta a digestão, altera a produção de ácido gástrico e a mobilidade do estômago. A repetição desses estados emocionais não resolvidos pode comprometer a integridade da mucosa gástrica, abrindo portas para a inflamação.

Mas por que algumas pessoas desenvolvem gastrite e outras não?

A resposta pode estar na forma como cada indivíduo lida com suas emoções. Quem constantemente “engole o choro”, “engole a raiva” ou “engole a verdade” para evitar conflitos pode estar criando um campo fértil para doenças psicossomáticas — a gastrite entre elas.

O corpo fala — e o estômago grita

Para entender melhor essa dinâmica, é útil olhar para a psicossomática, campo que estuda como conflitos emocionais não expressos se manifestam no corpo. Na visão psicossomática, o estômago é o órgão simbólico da digestão não apenas de alimentos, mas de experiências.

Imagine viver situações que te causam náusea emocional — uma injustiça, uma relação opressiva, um trabalho tóxico — e ter que “engolir tudo” sem reclamar. Seu corpo percebe isso como uma ameaça constante e, ao longo do tempo, transforma a tensão psíquica em sintomas físicos.

A gastrite, nesse caso, não é o “inimigo”, mas um mensageiro. Um alerta de que algo está indigesto — e não se trata de comida.

Onde entra a Experiência Somática?

A Experiência Somática (SE) é uma abordagem terapêutica desenvolvida por Peter Levine, com base em décadas de pesquisa sobre trauma, neurociência e fisiologia. Diferente de terapias baseadas apenas na fala, a SE trabalha com as sensações corporais e a autorregulação do sistema nervoso.

A premissa central é que o trauma — incluindo microtraumas emocionais cotidianos — não está apenas na memória, mas no corpo. Quando eventos intensos não são processados adequadamente, o corpo entra em um estado de congelamento, hipervigilância ou estagnação energética, afetando órgãos e sistemas.

E qual a relação com a gastrite?

Na prática, a SE ajuda a identificar e liberar tensões acumuladas no corpo, facilitando a digestão emocional — algo que muitas vezes faltou no momento em que a experiência dolorosa ocorreu. Com o tempo, essa liberação somática pode:

  • Reduzir os níveis de estresse e ansiedade

  • Desativar respostas autônomas que afetam a digestão

  • Aumentar a consciência corporal e emocional

  • Restabelecer o fluxo natural do sistema nervoso

Ao tratar a raiz emocional e fisiológica da tensão, a SE não “cura” diretamente a gastrite, mas cria condições favoráveis para que o corpo se cure — o que, por si só, já é poderoso.

Um exemplo prático: o caso de Ana

Ana, 38 anos, começou a apresentar sintomas de gastrite aos 30, logo após assumir uma posição de liderança em uma empresa familiar. Ela sentia constantes queimas e desconforto abdominal, mesmo após diversas mudanças alimentares. Após exames e tentativas com medicamentos, buscou ajuda complementar.

Foi na Experiência Somática que Ana entendeu que o mal-estar físico tinha raízes em um ambiente profissional opressivo, onde ela se silenciava para manter a harmonia. Durante as sessões, ela pôde acessar essas emoções reprimidas em segurança, expressar raivas contidas e reaprender a sentir-se segura dentro do próprio corpo.

O resultado? Além de melhora nos sintomas físicos, Ana desenvolveu uma nova forma de se posicionar no trabalho, cuidando não só do estômago, mas de sua integridade emocional.

O corpo não mente

Muitas pessoas resistem à ideia de que emoções impactam a saúde porque fomos ensinados a separar mente e corpo. Mas a verdade é que somos uma coisa só. E o corpo, com sua sabedoria silenciosa, frequentemente percebe e comunica o que ainda não conseguimos nomear com palavras.

A Experiência Somática propõe uma reconexão com essa sabedoria. Ela ensina a ouvir o corpo, reconhecer seus limites e liberar o que ficou preso. Em vez de apenas tratar o sintoma, ajuda a decodificar a mensagem.

Quando procurar ajuda?

Se você sofre com sintomas de gastrite e já descartou ou tratou causas orgânicas, talvez seja hora de olhar para o que está mal digerido emocionalmente. Algumas perguntas que podem ajudar nessa reflexão:

  • Que situações ou pessoas me fazem “engolir” o que penso ou sinto?

  • Com que frequência me calo para evitar conflito?

  • Como meu corpo reage diante de tensão emocional?

  • Já considerei que meu sintoma físico pode ter uma origem emocional?

A resposta pode te levar a uma nova etapa de autocuidado, onde o foco não é apenas “curar o estômago”, mas cuidar de si como um todo.

Conclusão: do sintoma ao autoconhecimento

A gastrite, quando vista apenas como um problema gastrointestinal, limita as possibilidades de cura. Mas quando entendida como um sinal de que algo não está sendo processado emocionalmente, pode se tornar uma oportunidade valiosa de autoconhecimento.

A Experiência Somática surge como uma ferramenta potente nesse caminho. Ela nos convida a sair do modo automático, a ouvir o corpo sem julgamento e a dar espaço para o que precisa ser sentido — e não apenas engolido.

Se você sente que há algo indigesto na sua vida, talvez a solução não esteja apenas no prato, mas no que você deixa de expressar. Porque, no fim das contas, emoções não desaparecem — elas apenas mudam de forma. E às vezes, viram gastrite.